Você pode ser o Shrek e eu a Fiona (Laís Happel)


Olha só, eu não esperei meses para sair contigo, e ser trocada pelo teu celular, ou melhor, pelo teu time de futebol. Eu não deveria ter te esperado. Eu deveria ter recusado o pedido para jantar, mas cá entre nós, você pediu com jeitinho, fazendo meu coração de apaixonada bater em compassos acelerados. Eu aceitei sair com você, não pagar a conta! Meu amor, cadê o cavalheirismo? Ficou escondido na tela do celular? Camuflado em um rosto bonito e corpão sarado? Aturei os momentos de descontração, e deixei que você usasse o twitter, enquanto a entrada no restaurante mexicano chegava. Eu te falei que sou alérgica a pimenta? Não né? Mas nem por isso, disse que preferia comer sushi, e olha, desculpa a decepção, mas sou alérgica a peixe. 

Ao sair de casa, minha mãe coitada, a mais esperançosa disse entre sorrisos de orelha a orelha: vai minha filha, vai que dá. Ele é um príncipe. Será que eu conta a ela que na verdade você é um ogro fantasiado de principe? Tudo bem, tem dias em que acordo parecendo a Fiona, mas ontem Shrek, eu realmente perguntei “onde foi que amarrei meu burro”, e esperei sentadinha, rezando para que ele não tenha saído para um restaurante acompanhado pelo dragão cor-de-rosa. E se ele saiu, que não tenha ficado colocando defeitos na comida.

Olha, eu realmente achei que você era a metade da minha laranja – mesmo eu não podendo comer frutas cítricas, você era uma parte em que poderia dar umas mordidas-, a tampa da minha panela, o “essi” do meu dois. Nadinha, não somos ying nem yang, somos o quebra cabeça com partes faltando, e meu amor, eu não sou o anjo que vai montar esse quebra cabeça sozinha! Não mesmo, posso te ajudar a procurar as pecinhas, mas montar o quebra cabeça, não. Nem que você me beije no portão de casa, nem que dê aquela piscadela fatal, nem que balance essa bunda GG gigante. Percebi que caguei na cruz, para ter tanto azar no amor. Não que tenha esperado algo, não mesmo. Só estava pensando no nome dos nossos filhos e em qual música entraríamos na igreja. Se importa se tocar “Say Something”? Ah, esquece viu? Continue com seus pensamentos pequenos, e deixe-me com meus textos. Aliás, ogro, obrigada pela noite divertida, podemos não viver um conto de fadas, mas fizemos daquela noite, algo memorável, podendo quem sabe, virar uma ótima história – em quadrinhos.

Conto: Do começo ao (não) fim. (Raisa Krazewsky)

Ela pegou seu café e debruçou-se na sacada. Observou o movimento lá embaixo na calçada, cada ponto era uma pessoa. Cada pessoa uma vida. Cada um ocupado com algo. Ela suspirou e tomou o café – argh, estava frio. Olhou para a sala ainda bagunçada pela noite anterior. Encontrou uma peça de roupa dela perto do sofá. Riu.

Eles chegaram atropelando os móveis ontem. Depois de voltarem da festa da empresa, um pouco altos, quase não aguentaram abrir a porta. Assim que conseguiram abrir, ele a encostou na parede e a beijou. Esbarraram na mesinha, no sofá, na estante. Riram. As peças de roupa voavam. Andaram com os corpos e bocas unidos até o quarto. Ele se sentou na cama. Ela parou em pé na sua frente, só estava de calcinha. Se encararam. As expressões eram bem diferentes. Eram expressões de desejos carnais. Ela se ajeitou no colo dele. Ele puxou delicadamente seu cabelo, deixando seu pescoço a mostra. Mordiscou ali. Ela arranhou suas costas e afundou as mãos no cabelo dele. Se beijaram e se entregaram ao desejo, ao movimento, ao prazer. As bocas percorreram todo o corpo, exploraram todo o território. Ao fim de tudo, nada acabou. Permaneceram unidos, ofegantes, com aquele suor de sexo. Riram mais uma vez. E adormeceram.


Quando ela acordou, encontrou a camisa dele no chão e vestiu apenas isso. Buscou café na cozinha, e se debruçou na sacada. Depois de lembrar o que aconteceu, e com um café frio na mão, voltou à cozinha para fazer café fresco. Quando pronto, decidiu voltar para a cama. Olhou para o seu marido nu, e lembrou-se de vinte anos atrás – quando casaram. Ainda sentia o mesmo amor e o mesmo desejo de sempre. O jeito como se amavam e se cuidavam – e transavam, ainda era o mesmo, como dois jovens de 19 anos, como quando se conheceram. Algumas coisas mudaram, alguns quilos chegaram, a filha que tiveram, os fios brancos que surgiram. Mas nada que afetasse o carinho, o cuidado, o amor e o sexo. Na verdade, afetou: melhorou tudo isso.

Ela se enfiou em baixo da coberta, encostou a cabeça no ombro dele, sem acordá-lo, já sabia como fazê-lo. Olhou o relógio e pensou que hoje deixaria sua filha mais tempo na casa da avó, queria a casa e o marido só para ela. Nada do que tinha começado a noite estava perto de terminar.

Crônica: Fique tranquila, sou eu (Nadhia Dantas)


Para a minha irmã de coração

Oi pequena, mesmo depois de ter "esticado", como dizia a vovó, sempre te chamarei assim. Você sempre foi miudinha, magrinha, mas era só mexer nas suas bonecas, que a força brotava sabe-se lá da onde, e machucava. Eu, menino, que não podia revidar, te olhava com cara feia, e você na hora fazia um bico de 3 metros, como se isso fosse me dar medo. Eu caia na gargalhada e você chorava, mas depois de meia hora, me chamava para jogar Street Fighter. Isso era tão divertido. Vou te contar um segredo: na maioria das vezes, deixava você ganhar. Poxa, você era péssima no vídeo game, e eu gostava de ver você toda feliz pulando no meio da sala, se achando a tal porque tinha me "matado".